Hugo Fernandes, docente, Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), São Paulo, São Paulo, Brasil.
Nascione Ramos Souza, enfermeira, Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), São Paulo, São Paulo, Brasil.
A humanidade enfrentou um dos seus maiores desafios recentes: a pandemia de COVID-19. As preocupações em relação ao contágio e à mortalidade afetaram sensivelmente todas as pessoas e medidas não farmacológicas precisaram ser adotadas com brevidade, dentre elas o distanciamento social e a maior permanência das famílias em suas casas. Estas medidas aumentaram sensivelmente a exposição de mulheres à violência por parceiro íntimo, principalmente as mais vulneráveis, como as pardas e pretas.
No artigo Violência contra mulher parda e preta durante a pandemia: revisão de escopo, publicado no periódico Acta Paulista de Enfermagem, pesquisadores da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e da Université Laval (Canadá) identificaram as principais evidências mundiais sobre a violência por parceiros íntimos contra mulheres pardas e pretas durante os dois primeiros anos da pandemia.
Para isso, os autores realizaram uma revisão de todos os artigos científicos disponíveis sobre o tema, publicados entre 2020 e 2022, seguindo rigorosamente as recomendações para uma revisão de escopo estabelecidas pelo Instituto Joanna Briggs. Após investigação profunda, 26 artigos foram encontrados, sendo que somente oito respondiam à questão principal da pesquisa e se adequavam aos critérios de inclusão.
Os resultados foram surpreendentes.
Apesar das publicações terem sido mais concentradas em países norte-americanos, a violência contra a mulher perpetrada pelo seu parceiro íntimo mostrou-se como um fenômeno global, como a própria pandemia. As mulheres pardas e pretas apresentaram múltiplas condições negativas, como distâncias geográficas maiores (residir em áreas periféricas ou distantes), desemprego ou instabilidade econômica, habitação insegura, aumento do consumo de álcool pelo parceiro íntimo, dentre outras, que as colocaram em maior vulnerabilidade às agressões.
Além disso, o estudo evidencia que as mulheres pardas e pretas enfrentaram outros desafios, como barreiras de acesso aos serviços de saúde e de segurança pública, bem como sofreram situações de racismo institucional no momento em que mais precisavam de apoio.
Um aspecto de destaque é que a maioria dos países não adotou políticas públicas de prevenção e controle da violência por parceiro íntimo de forma rápida e adequada, aumentando as chances de reincidência do agravo, baixas notificações das ocorrências e importantes repercussões para a saúde integral das vítimas.
A ausência do apoio eficaz e ágil do estado fez com que as mulheres pardas e pretas buscassem estratégias individuais, coletivas e políticas de enfrentamento à violência por parceiro íntimo no período, como busca de organizações de apoio, planejamento de saídas seguras ou fugas, uso das redes sociais para troca de experiências e ajuda, além de união para criação de leis que coibissem a violência e aumentassem as medidas de proteção contra seus agressores.
Tendo em vista os achados, a pesquisa reforça a necessidade de que a interseccionalidade gênero e cor seja levada em consideração no cuidado à vítima e nas medidas de prevenção da violência por parceiro íntimo.
Como desdobramento, os autores estão conduzindo um estudo populacional para identificar melhor o perfil das vítimas, dos agressores e as medidas adotadas pelos profissionais de saúde que atenderam as mulheres pardas e pretas durante a pandemia.
Links externos
Acta Paulista de Enfermagem – APE: https://www.scielo.br/j/ape
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